Aborto visto como uma questão de direitos humanos e cidadania

sábado, 17 de dezembro de 2011

Quando o tema é aborto, as mais diversas opiniões surgem, sejam elas favoráveis ou contrárias à prática. De fato, o assunto é polêmico, mas deve ser tratado com seriedade, pois quando se trata de direito à vida a análise não pode se limitar à moral, mas contextualizá-lo com as várias condicionantes sociais e econômicas. Afinal, o aborto é praticado cotidianamente por centenas de mulheres de diferentes classes sociais, no Brasil e no mundo.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada por pesquisadores da Universidade de Brasília e pelo instituto de pesquisa Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, o aborto é tão comum no Brasil que, ao completar 40 anos, mais de uma em cada cinco mulheres já fez aborto. Tipicamente o aborto é feito nas idades que compõem o centro do período reprodutivo das mulheres, isto é, entre 18 e 29 anos. Além disso, a pesquisa constatou que a maioria dos abortos foi feita por católicas, seguidas de protestantes e evangélicas e, finalmente, por mulheres de outras religiões ou sem religião.
Em contraposição aos dados, o artigo 128 do Código Penal brasileiro prevê apenas duas hipóteses para a realização do aborto legal: em caso de estupro ou se a gravidez representar um risco de morte para a gestante. Ou seja, com exceção das circunstâncias citadas, no Brasil, a prática é ilegal e considerada um crime previsto pelo código penal desde 1940.
Denise Leal, Professora adjunta da UFS
Para a professora da área penal da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Denise Leal, a criminalização do aborto pelo Estado brasileiro representa uma espécie de hipocrisia velada, pois as instituições ligadas ao controle penal dificilmente atuam para apuração e responsabilização dos envolvidos em supostas práticas de aborto criminoso. A verdade é que as mulheres que sofrem com as conseqüências (seja no campo da saúde ou penal) do aborto clandestino, realizado através de métodos inseguros, são de baixa renda; enquanto as mulheres de classe média ou alta tem acesso a clínicas particulares que interrompem a gravidez com métodos seguros.
O aborto clandestino provoca 602 internações diárias por infecção, 25% dos casos de esterilidade e 9% dos óbitos maternos, o que significa a terceira maior causa de morte materna no Brasil. É comum mulheres chegarem aos postos de saúde públicos com hemorragia, à beira da morte. Além de enfrentarem a falta de assistência de saúde pública, ainda correm o risco de serem punidas com pena de prisão”, afirma Denise Leal.
Ainda segundo a professora, os motivos pelos quais as mulheres decidem abortar são muitos: porque foram abandonadas pelo companheiro, temem perder o emprego, temem a reação da família ou mesmo porque não se sentem preparadas para a maternidade. Mas, para ela, o Estado precisa assegurar sua saúde - independente da causa geradora.
Legalizar ou não?
Para a reivindicação do movimento feminista, a legalização do aborto perpassa por dois eixos centrais: o direito de escolha da mulher sobre seu próprio corpo e a questão da saúde pública. O primeiro é argumentado com a construção sócio-histórico das sociedades patriarcais, nas quais as mulheres cumprem o papel de reprodutoras e destinadas naturalmente a exercerem a função de mãe, como algo predestinado e não como escolha; o segundo porque a partir da decisão da mulher, o Estado deve garantir sua escolha de forma segura.
Denise Leal alerta que podemos ser moralmente contrários à prática do aborto, mas juridicamente favoráveis a sua descriminalização, considerando que a mulher que decide por medida tão drástica não merece como resposta a punição penal. Ela concorda e acredita que um novo tratamento jurídico para a questão do aborto se impõe. Enfatiza que para tanto deve ser definida uma meta estratégica a ser alcançada, que passa pelo respeito aos direitos da mulher, especialmente para ter sua vida e saúde protegidas. “Isso é uma questão política, não meramente jurídica. Enquanto cidadã, o direito da mulher precisa ser garantido”. 
Mas ela pondera que a sociedade brasileira ainda não está preparada para esta decisão, pois no imaginário da população há uma tensão entre o direito à vida do feto, que é visto como prioritário, e o direito da mulher dispor do próprio corpo. Para isso, ela aponta que “Antes de legalizar é preciso descriminalizar. Ou seja, com a descriminalização a mulher que aborte não será penalizada pela prática, dessa forma, o debate pode ser gerado na sociedade. E em um segundo momento seja legalizado e, com isso, o Estado o garanta através de um sistema de saúde pública com qualidade e com direito à assistência psicológica”, afirma.
O processo de descriminalização deve vir acompanhado de uma discussão séria junto à sociedade. Denise coloca que o tema é pouco abordado e quando o é, como nas campanhas eleitorais, é limitado à opinião de candidatos que se debatem entre quem concorda ou não. Para ela, uma discussão qualificada deve ser feita junto à comunidade, nas escolas, nos meios de comunicação, para que, com a discussão amadurecida, a legalização do aborto possa angariar maior legitimidade. “Afinal, é a saúde de centenas de milhares de mulheres que está em jogo”, enfatiza a professora.
Em muitos países, a prática é permitida e garantida seguramente pelo Estado. Mesmo em países tradicionalmente católicos, como Portugal e Espanha, o aborto é tratado como questão de saúde pública.
Aborto x prevenção
Onde o aborto é permitido, as políticas preventivas também existem. Para a professora, as políticas de planejamento familiar são imprescindíveis. Além da distribuição gratuita de contraceptivos, o tabu que existe em cima da temática do sexo deve ser desconstruído, através de uma educação sexual qualificada e conseqüente. E, segundo ela, infelizmente não é essa a realidade do sistema de saúde público brasileiro.
“As mulheres, por vezes, sentem-se constrangidas em buscar apoio preventivo quando o assunto é a dimensão sexual da sua vida. Ainda há uma carga histórica opressora muito grande em cima da mulher. Quando decidem procurar ajuda, freqüentemente são constrangidas nos próprios postos de saúde, por considerarem-nas promíscuas”, argumenta Denise Leal.
Por: Talita Moraes
fotos: Denise Leal, arquivo pessoal
Edição: Egicyane Lisboa

Para Informações adicionais
(Trailler do doc. o aborto dos outros)
 (vídeo educativo sobre o debate da legalização do aborto)

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