Em defesa do Patrimônio

terça-feira, 20 de dezembro de 2011


Fundada em 1882, a Fábrica Sergipe Industrial (SI) tem sido alvo de rumores recentes, ainda não confirmados por seus responsáveis. Embora as informações oficiais permaneçam em sigilo, ex-empregados alertam para o risco de fechamento da Fábrica. Segundo eles, alguns setores da Sergipe Industrial foram desativados, e o quadro de funcionários reduzido. 

Os professores do Departamento de História da UFS, Dr. Antonio Lindvaldo Sousa e Msc. Claudefranklin Monteiro Santos, cientes dos rumores e preocupados com o futuro deste patrimônio, iniciaram um projeto de tombamento da fábrica. A proposta visa a preservação e conservação daquela que por muito tempo compôs a história sergipana. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHEA), o tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público. Seu objetivo é preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, buscando impedir a destruição e/ou descaracterização de tais bens. 

A entrevista que segue foi realizada com professor Claudefranklin Monteiro que esclarece os pormenores do seu projeto.

"A Sergipe Industrial tem uma forte memória trabalhista,
empresarial, urbana e esportiva",
diz Claudefranklin Monteiro
 
Como surgiu a tentativa de tombamento da Fábrica Sergipe Industrial?
Bom, ouvimos boatos de que a fábrica estava para ser vendida. Ficamos preocupados com a possibilidade de que ela fosse destruída e se perdesse a sua memória histórica. Preferimos não entrar no mérito de quem comprou, mas consideramos a Sergipe Industrial um patrimônio muito importante para a história de Sergipe e pensamos em preservá-la.

É a primeira vez que você participa de uma ação deste tipo?
Sim, é a primeira vez. Como sou professor de disciplinas relativas à questão de patrimônio, explico aos alunos como se deve realizar o tombamento de um imóvel, mas nunca havia participado de nenhum. Quando o professor Lindvaldo me contou sua ideia, não pude ficar fora disso. 

Como vocês estabeleceram seu plano de ação?
Sabemos que qualquer cidadão comum pode entrar com um pedido de tombamento para algum patrimônio. Então elaboramos um oficio contendo informações sobre a importância histórica que o local possui, e pedindo o seu tombamento. O processo seria realizado em nível estadual, já que a importância da fábrica se encaixaria mais nesse perfil. Nossa maior preocupação é a preservação da memória. Propusemos que o local fosse protegido, preservado e que se tornasse uma área de utilidade social. 
A partir daí encaminhou-se um ofício com uma série de fundamentos e argumentos para convencer não só os membros do conselho, mas também a sociedade. O parecer está em análise,. Se favorável, será dirigido ao governador.

Por que a iniciativa de um abaixo assinado,  já que teoricamente esta medida não iria interferir no processo de tombamento?
Concomitantemente ao projeto do tombamento estamos fazendo um abaixo assinado, que está na internet. Se tombada, a Sergipe Industrial pode vir a se tornar um benefício para a sociedade. A população, portanto, precisa ser envolvida nesse processo. Se for algo distante, de cima pra baixo, não vai fazer sentido. Assim, o abaixo assinado deseja o apoio da sociedade, que deve ser sensibilizada no processo.

O que vocês pensam para o futuro da fábrica?
No ofício que elaboramos estão algumas sugestões para o bom aproveitamento do local, mas é claro que isso foge a nossa especialidade. Portanto, pensamos que após ser considerado como patrimônio, caberá a um especialista, talvez um arquiteto, junto com o proprietário, encontrar a melhor maneira de aproveitar o bem.
A fundação UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura está com novas orientações para o significado do que seja Patrimônio Cultural. Fizemos menção de que o local podia ser espaço de cultura, usando exemplos bem sucedidos já conhecidos como foi o caso da revitalização do Píer do Porto de Recife. Outro exemplo foi o museu que foi construído no Castelo São João, também em Recife, e hoje é o Instituto Ricardo Brennand.
Assim você revitaliza a cidade e não deixa espaço morto. O que está em jogo é a preservação do bem. Isso, se bem conduzido, faz com que todos tenham a ganhar: a sociedade sergipana, os pesquisadores e o proprietário.

Nesse processo, o proprietário não ficaria no prejuízo, já que haveria limitações na utilização do local?
O empresário pode se prejudicar se ficar com a visão de que não pode mexer nisso ou naquilo. É possível fazer determinadas alterações a partir de deliberações do conselho. No documento que encaminhado apresentamos algumas sugestões para o bom aproveitamento do bem. Em nenhum momento temos intenção de prejudicá-lo, apenas ressaltamos a importância do local. Tudo depende de como você utiliza, de como você enxerga as oportunidades.

Afinal, qual é a importância histórica da Fábrica Sergipe Industrial?
No oficio apresentamos quatro argumentos que justificam a importância histórica do lugar. Essas informações também estão disponíveis no abaixo-assinado que circula na internet.
a) está relacionado a grandes empresários sergipanos, como Thales Ferraz;
b) a história do esporte sergipano começou com as fábricas SI e Confiança;
c) as primeiras lutas dos operários em Sergipe aconteceram nessa fábrica;
d) está ligada ao processo de modernização de Aracaju, na expansão do Bairro Industrial.
É um tema que já foi bastante discutido por estudiosos e por memorialistas como Ibarê Dantas, Terezinha Oliva e o próprio Antonio Lindvaldo. Conclui-se assim que o espaço contém uma memória trabalhista, empresarial, urbana e esportiva.

Quais seriam os benefícios que o tombamento da Sergipe Industrial trariam para a sociedade?
A gente tem que pensar o patrimônio como um bem coletivo. Temos necessidades materiais, como comer, mas também imateriais, como a cultura. Não estamos acostumados com a ideia do consumo cultural, mas é possível consumir cultura. O deleite e a identificação são gerados quando você se aproxima do bem, conhece sua historia e vai reconhecendo a sua importância. Eu tenho a prerrogativa de proteção do patrimônio quando este tem um significado de importância para a coletividade. É possível pensar que a fábrica Sergipe Industrial venha a se tornar um ponto turístico. Ela tem o potencial de ser um lugar em que você pode consumir culturalmente, e não somente algo piegas, de valorização do patrimônio simplesmente pela valorização. 
Hoje não mais se pensa o patrimônio cultural sem ter o fim social. Se a Praça São Francisco, que foi reconhecida como patrimônio da humanidade, com o passar dos anos não promover um favorecimento da sociedade, não houve razões para ela fosse tombada. No fim, o projeto deve ser maior, de enriquecimento cultural e revalorização da cidade.

Como vem sendo a repercussão do projeto entre a sociedade?
Nos empolgamos ao ver a  repercussão que o projeto teve na sociedade. Postaram muitos comentários no Facebook e o abaixo assinado já tem mais de 400 assinaturas. Pessoas ligadas ao proprietário vieram falar conosco, e ficaram se não convencidos ao menos mais tolerantes à ideia. A imprensa também tem nos procurado.
As pessoas estão cada vez mais interessadas no patrimônio, e só não gostavam anteriormente porque não conheciam sua história. Com a possibilidade do beneficio cultural e econômico, a população passou a olhar o patrimônio de outra forma.  

Após este, você pensa em outros projetos?
Ah sim, agora me empolguei. Penso na reativação do tombamento do Engenho Pedras, em Maruim. Estou empenhado em mobilizar a Universidade Federal de Sergipe para dar uma atenção maior ao museu da Universidade, que está carente de uma reforma e de uma reestruturação. É até contraditório para a UFS, que tem cursos de Historia e Museologia, ter o museu da própria instituição sem a atenção que merece.

Em que etapa está o projeto de agora?
O processo ainda é embrionário, o ofício foi entregue no mês de novembro. Ouvimos rumores de que ele já foi para a pauta no Conselho de Cultura, e o professor Luis Fernando Ribeiro Sotero foi designado para ser o relator. Dentro do conselho, ele é responsável pela Câmera do Patrimônio, e por isso está fazendo um estudo para enriquecer as informações que já lhe disponibilizamos. Funciona assim: o conselho designa o relator para fazer a leitura, e através da votação dos outros membros sai um parecer favorável ou não. Normalmente o governador aprova os projetos enviados pelo conselho.
Estou esperançoso quanto ao sucesso do projeto. O governador é sensível a essas questões culturais. Prova disso é a reforma do Museu Palácio Olímpio Campos e mais recentemente o lançamento do Museu da Gente Sergipana, além de uma série de outras ações voltadas para a cultura. Imaginamos que ele se some a essa causa e dê parecer favorável. 

Para terminar, de que forma a população pode contribuir para a concretização desse projeto?
A forma que a população tem para ajudar é envolver-se. Quanto mais pessoas entusiasmadas, mais se ajuda na propagação. E, como se sabe, a massificação da informação é fundamental para a aceitação e concretização dos projetos na sociedade. O nosso projeto está tocando o coração dos sergipanos, principalmente da juventude.

Por Diogo Barros
Edição: Nayara Arêdes

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