O interesse pelo cinema veio cedo. Ainda na infância, início dos anos 50, Ivan já freqüentava as sessões da época com a mãe, de quem herdou a paixão por filmes. Às quintas-feiras, ele a acompanhava para fazer compras no comércio e depois seguiam os dois para a chamada `Matinê das Moças´ no Cinema Rio Branco ou Cinema Vitória, onde as mulheres pagavam menos e ele, por ser criança, entrava de graça.
Charles Chaplin, Victor Mature, Tyrone Power, são nomes que marcaram a sua infância. Os filmes que hoje levam a definição de `clássicos´, foram vistos por Ivan ainda jovem nas salas da época, que segundo ele, deixavam a desejar em termos de conforto, qualidade de projeção, mas garantiam ao público uma grande variedade de títulos, com cerca de dois lançamentos semanais em cada um deles. “Hoje nós temos 13 salas de cinema e dois ou três lançamentos por semana. A variedade é muito pequena. Até agora a terceira dimensão, por exemplo, que é a coqueluche do mundo inteiro, tem em vários lugares, menos em Aracaju”, salienta.
Pessimista com a produção cinematográfica local, Ivan conta que, antigamente, algumas pessoas se arriscavam no ramo, mas o amadorismo e a falta de elaboração de roteiro consistente e montagem, fazia com que tais produções se tornassem fatos filmados de maneira descompromissada e aleatória e não o início de um cinema sergipano. “Não vejo nenhuma utilidade nos filmes que foram feitos naquela época. Hoje já tem pessoas mais interessadas, que curtem cinema e produzem coisas melhores, mas mesmo assim ainda está muito longe da gente dizer que há um cinema sergipano”.
Nos anos de 1974, 1976 e 1978, Ivan foi ao aclamado Festival de Cannes inscrito como jornalista internacional. Além do contato com cineastas conhecidos mundialmente, como o francês François Truffaut, com quem teve a oportunidade de fazer uma entrevista, trouxe consigo idéias até então inovadoras para a capital, inspirado pelo seu primeiro contato com a projeção em vídeocassete feita no festival.
Criação do videoclube
A possibilidade de poder assistir filmes fora das salas de cinema o deixou entusiasmado. “Eu pensei logo que quando o aparelho chegasse ao Brasil eu tinha que ter um de qualquer jeito. E foi realmente o que aconteceu”, conta Ivan. A idéia de montar um videoclube, que seria o primeiro em Aracaju, surgiu em 1981. Ele se juntou com alguns amigos e, assim, compraram o aparelho. Até a produção de VHS passar a ser regular no Brasil, Ivan tinha que pedir as fitas de São Paulo em um esquema de pacotes.
Para participar do clube, era necessário entregar duas fitas para o acervo. A partir daí, era possível ter acesso aos filmes que os outros membros tinham entregado e assistir em casa. “Nessa época as pessoas já tinham o videocassete para isso e eu nem sabia que em Aracaju existiam tantos aparelhos!”, relembra. O videoclube começou com apenas 20 fitas, mas até o seu fechamento, em 1986, chegou a ter 7500 filmes.
Justamente nesse ano, surgiu a famigerada locadora de Ivan Valença, que também foi a pioneira do segmento em Aracaju. Durante uma viagem a São Paulo, o cinéfilo percebeu a tendência que havia se instalado e resolveu trazê-la para a capital sergipana. Para o jornalista, a postura administrativa servia apenas como uma forma de sustentar a vontade de ver filmes. “Eu precisava fazer alguma coisa com os filmes que tinha e também conseguir dinheiro para comprar e poder assistir ainda mais filmes. Foi nisso que pensei quando criei a locadora”.
Depois de 23 anos de atividade, mesmo tentando se manter atualizada nos lançamentos e com a troca de VHS por DVD, a locadora teve que ser fechada devido à inviabilidade financeira trazida pela pirataria. “A pirataria acabou com tudo. O DVD que eu alugava por cinco reais era vendido na edição pirata pelo mesmo valor na porta da locadora. Além disso, comprar os DVDs originais estava ficando cada vez mais caro e eu não podia aumentar o valor da locação por causa dos piratas”, explica.
Apesar de tantos anos construindo um espaço que virou referência na cidade, Ivan não ficou ressentido com a decisão do fechamento. “Eu confesso que não sou apegado àquele lugar nem ao material. Quem ficou triste foi a minha esposa, Ana, que era quem cuidava da locadora”, declara.
Ana Valença, casada há 36 anos com Ivan, participou da vida cinéfila dele desde os tempos do videoclube. Quando a locadora foi criada, ela foi quem mais se dedicou ao lugar, atendendo aos clientes todos os dias. “Me dá um aperto no coração lembrar que ela está fechada. Outro dia eu voltei lá para fazer uma limpeza e pegar correspondências, mas acabei chorando muito. Eu amava aquilo lá. Era onde passava os meus dias, conversando com os clientes. Mas não quero me apegar, tem que pensar para a frente”, se emociona.
Arquivo de cinema
Além do acervo pessoal de filmes e livros sobre cinema, Ivan Valença possui e organiza um arquivo sobre o tema. Recortes de artigos dos jornais e informações sobre filmes são colocados em pastas distribuídas, em ordem alfabética, sobre inúmeras prateleiras em uma sala de sua casa. Acrescido ao trabalho manual de separar, recortar e organizar o material está a parte digital da catalogação que consiste em inserir os dados em um programa no computador a fim de facilitar a busca e o controle.
Pode-se dizer que Ivan começou a coleção aos cinco anos de idade, quando já se interessava por cinema motivado pela mãe. “No arquivo ainda tem coisas que foram da minha mãe, que colecionava revistas de cinema”, salienta. A catalogação hoje conta com mais de 60 mil filmes arquivados.
“Eu faço isso como um hobby. Eu não gosto de ir à festas nem de ficar saindo, então faço isso. Para mim não serve para nada, quando eu morrer podem jogar tudo fora”, diz Ivan. Mas esse arquivo é bastante procurado por pessoas que querem fazer alguma pesquisa específica e visto com grande valor mesmo por quem não é cinéfilo.
Atuação como jornalista
A paixão de Ivan Valença pelo cinema foi também o caminho que o induziu ao ingresso no jornalismo. Com apenas treze anos de idade, a atração e o encantamento causado pelos filmes com os quais tinha contato na época tornaram-se a motivação para que redigisse textos sobre as obras. As críticas de Ivan foram ganhando espaço nas páginas dos jornais locais da época – meados da década de 50 – e passaram a aparecer com freqüência em publicações como o Sergipe Jornal e o Diário de Sergipe. Daí em diante, o ainda garoto Ivan se viu inserido na dinâmica das redações de jornal – lugar que despertou sua fascinação desde o primeiro dia em que conheceu uma. A partir dessa primeira vista, descobriu que o jornalismo era a carreira que queria para a sua vida.
“Nessa época, algumas notícias eram apuradas por um sistema precário de telefonia. Ficava angustiado em produzir matérias nesse processo, pois não havia como averiguar a notícia do jeito que queria. Havia então tardes em que estava sozinho na redação e saía para a rua em busca do conteúdo da matéria. Cobria o acontecido e deixava a responsabilidade de redigir para os mais experientes, pois tinha apenas quatorze anos”, conta Ivan, lembrando o aspecto amadorístico que havia no jornalismo em desenvolvimento no país. Com a aprimoração advinda do tempo e das necessidades, surgiram os repórteres, profissionais designados para a busca do conteúdo jornalístico.
Desde jovem, Ivan perdia horas e mais horas com leituras das mais variadas, de romances a jornais e revistas. Seu pai era assinante do `Clube do Livro´, que entregava aos clientes uma obra literária clássica por mês. Durante esse tempo, teve contato com as grandes obras da literatura, às quais dedicava uma boa parte de sua rotina. Mas o interesse de Ivan não se resumia a tais obras ficcionais. A cobertura dos acontecimentos através dos veículos impressos era também de grande atração para o jornalista: “Quando era pequeno, minha mãe tinha o costume de ir à feira no antigo Mercado Municipal e sempre estava lá uma senhora que vendia sabão. Passava o tempo todo com ela enquanto minha mãe fazia as compras. Não é que eu lhe prestasse auxílio, mas gostava de ficar por lá, porque ela tinha uma pilha imensa de diversos jornais de todo o país, que eram usados para embrulhar os sabões. Durante minhas idas à feira, lia publicações como o Jornal do Brasil, Jornal Carioca, Folha da Manhã e o A Última Hora”.
No vídeo abaixo, o jornalista mostra como é o processo de manutenção e alimentação do seu acervo de filmes.
Carol Correia - Repórter
Layanna Machado - Repórter
Rafael Santos - Repórter
Elaine Mesoli - Editora
Talita Moraes - Pauteira
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