O trabalho infantil em Aracaju

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010



Mário mora nas ruas do Centro da Cidade
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que menores de 16 anos são proibidos de trabalhar, exceto como aprendizes e após atingirem os 14 anos de idade. Porém, não é o que acontece na prática. Apesar de registrar queda nos últimos anos, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2009 havia 4,2 milhões de pequenos trabalhadores no país. Neste ranking, o nosso estado apresenta os menores índices do Nordeste, com apenas 4 % de crianças em idade entre 5 a 14 anos que já exercem algum tipo de profissão.

O centro do trabalho infantil em Sergipe localiza-se nas feiras livres. Segundo Jerônimo da Silva Sérgio, gerente da Secretaria Municipal da Assistência Social e Cidadania (Semasc) , na capital sergipana a questão do trabalho nas feiras é bastante significante. A maioria desses adolescentes vem de municípios vizinhos, como São Cristovão e Barra dos Coqueiros. “Os bairros de maiores incidências do trabalho envolvendo menores são nas feiras livres, como no Mercado Central, Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro, Bairro Industrial e localidades mais carentes da capital”, revela.
Jerônimo da Silva Sérgio, gerente da Semasc

A prefeitura de Aracaju, em parceria com o Semasc criou o Projeto Acolher, que visa tirar pessoas em situação de risco das ruas, inclusive crianças e adolescentes. Além de ser o pioneiro, o projeto conta com educadores e psicólogos que se aproximam dessas crianças com o intuito de convencê-las a sair das ruas e ir para o projeto. A ação não é coercitiva e sim persuasiva, ou seja, eles tentam convencer os menores da situação vulnerável e, em muitas vezes insalubre nas quais os mesmos se encontram. “Uns aceitam, outros resistem, fogem, correm, dizem que estão ganhando um dinheirinho, porque a mãe o mandou ir para rua para sustentar a família”, informa Josefa Laurentino da Silva, coordenadora do projeto.

Sede do Projeto Acolher
Essa resistência por parte dos menores se dá pelo medo de perder a ‘liberdade’ alcançada, e que, na visão deles, será retirada caso ele sejam encaminhados para o Conselho Tutelar. É o caso de Rodrigo um garoto de 14 anos, morador do bairro Santa Maria que trabalha como ‘carrego’ (carregador de feira) no Mercado Central Thales Ferraz. O jovem largou a escola na 5º série do ensino fundamental e diz que não gosta de estudar e que sua mãe não ver problema nisso. “Não gosto muito de falar com vocês, sempre penso que vão me levar para um abrigo. Trabalho porque preciso ajudar a minha mãe, já que só tenho ela e meu irmão, além do que, aqui trabalho pra mim mesmo”, desabafa o garoto com suspeitas de que sejamos do Conselho Tutelar.

Menino faz carreto em feira da capital
Diferentemente de Rodrigo, os amigos Pedro e Anderson de 16 e 14 anos, respectivamente, residentes do município de Barra dos Coqueiros, que trabalham vendendo celulares no calçadão da João Pessoa não mostraram nenhuma timidez ao falar conosco. Pedro nos relata que trabalha a pouco tempo no calçadão, mas essa não foi a sua primeira experiência. “Eu trabalho desde pequeno. Vendendo celulares tem só cinco meses, mas também já trabalhei em lanchonete. Minha mãe briga porque eu venho pra cá, mas eu quero ter dinheiro pra comprar minhas roupas”, relata.

A sensação de liberdade e vários outros atrativos proporcionados pelas ruas, como a possibilidade de conseguir nelas o seu sustento, são alguns dos principais motivos que levam essas crianças a irem trabalhar. “O imediatismo é outro fator. Na sociedade capitalista em que vivemos todos querem ter e ter agora. Mas na maioria das vezes é por conta de maus tratos, negligência, abandono familiar e até mesmo por incentivo por parte dos próprios familiares que obrigam essas crianças a pedir ou trabalhar para ajudar no sustento da casa, colocando-os assim em situações de risco. Na rua esses menores muitas vezes acabam se envolvendo com drogas e/ou prostituição, o que muitas vezes, infelizmente, significa um caminho sem volta”, conclui a coordenadora do projeto Acolher. 

Enquanto muitos trabalham ou pedem para se alimentar, se vestir ou suprir necessidades supérfluas há aqueles que mendigam para sustentar um mal que vem assolando crianças e adolescentes, não só em Sergipe como no Brasil: o vício de psicoativos. É o caso do adolescente Mário, com apenas 14 anos e três ‘morando’ nas ruas do Centro da cidade. O garoto, visivelmente sob efeitos de drogas, nos conta que pede comida e dinheiro para os transeuntes. “Tem uns que dão e outros que não dão”. Ele revela ainda que nunca estudou e não sabe ler ou escrever. Quando perguntado qual o destino que ele dá ao dinheiro arrecadado, ele desconversa e sai andando.

Crianças no Terminal do Centro vendem artesanatos produzidos por suas mães
Para Josefa o trabalho infantil hoje é algo bem debatido e combatido pelo Conselho da Criança e do Adolescente, pelos Conselhos Tutelares e pelo Município, embora a coordenadora ainda ressalte a omissão da sociedade no sentido de coibir a prática no estado. “Essa situação só irá acabar quando a sociedade também se conscientizar, porque quando você dá esmolas ou compra uma jujuba de um menino no ônibus, dizendo que está trabalhando para levar dinheiro para família, você só reforça o trabalho infantil. Esta criança, na verdade, deveria estar na escola e em projetos sociais”, alerta.

Jerônimo Sérgio, gerente do Semasc , informa que o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o mais conhecido e mais bem sucedido programa do Governo Federal, em parceria com os Estados e Municípios, visa erradicar todo e qualquer trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos e garantir a freqüência na escola e nas atividades sócioeducativas com bolsas que variam de R$ 25 a R$ 40 reais por criança, dependendo da localidade e da atividade ser urbana ou rural. Em Sergipe cerca de 1000 crianças e adolescentes são atendidas pelo PETI. “A questão primordial é tirar a criança e o adolescente da situação de exploração” reafirma Jerônimo.

Ser criança tem deixado de ser sinônimo de brincar, estudar e aprender. Meninos e meninas que deveriam está na escola, praticando esportes e sendo educados, estão nas ruas trabalhando ou atuando como pedintes em praças e ônibus. Embora os programas governamentais surtam efeitos a curto prazo, é necessário políticas públicas maiores e mais constantes, que abranjam não só o menor como também toda sua família e o meio em que ele se encontra, pois é inadmissível que no século XXI ainda haja no Brasil um número tão elevado de crianças trabalhando.

Obs: os nomes dos garotos entrevistados nessa matéria são fictícios

Reportagem e fotos por Lorena Larissa e Larissa Regina
Editado por Lucas Peixoto

Um comentário:

e.Я disse...

A matéria está ótima. Muito se fala sobre o trabalho infantil no Brasil de modo geral, mas nunca tinha visto uma matéria falando sobre a realidade de Aracaju. Parabéns.

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