Entre a gravata e o batom: Drag Queens em SE, com orgulho

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Personagens como Markíbia Mazort transformam a realidade gay em Sergipe e firmam o pé – com salto e brilho – na luta contra o preconceito.
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Por Lohan Montes, Maluh Bastos e Morgana Brota 
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Elas costumam chamar atenção por onde passam, e em Aracaju não é diferente. Equilibrando-se em saltos altíssimos, uma drag queen, muitas vezes, não mede esforços para a ser a melhor entre as colegas e para isso, é preciso ter muito mais que uma boa maquiagem e roupas vistosas. Simpatia, jogo de cintura e muita determinação também são alguns dos requisitos necessários para burlar o preconceito, seguir com a profissão e poder empunhar um leque escarlate na pista de dança sem medo de ser feliz.
Markíbia Mazort  (Foto: por Lohan Montes)

“Meu nome é M”

Marcos França, 21 anos, resolveu se vestir de menina pela primeira vez aos 14 numa festa entre amigos. Naquela época, Marquinhos, como é conhecido pelos amigos, ainda não tinha a menor intenção de se tornar uma Drag Queen e a transformação foi mais por diversão mesmo. “Não foi nada profissional. Foi mais uma brincadeira. Usei uma peruca rosa que tinha sido utilizada nas Cajuranas e uma maquiagem que coloquei na hora. Foi uma loucura”, confessa Marcos, hoje, como a Drag Queen Markíbia Mazort, dona de um sorriso contagiante, salto alto, peruca de cabelos longos e escuros e uma maquiagem invejável até mesmo para as mulheres mais gabaritadas no quesito.
Apesar do estranhamento que causou no início, principalmente porque todos estavam habituados com o tímido Marquinhos, a brincadeira foi deixando o garoto cada vez mais acostumado com o personagem novo.  “Me perguntaram, na festa, qual era o meu nome. E eu respondi na hora: "É ‘M’”, conta a drag, referindo-se à primeira denominação lhe veio à cabeça de forma quase que automática.
‘M’ – obviamente de Marcos – se tornou, com o passar do tempo Markíbia. Seu nome oficial lhe foi dado em uma festa de um casal amigo, em Umbaúba, interior de Sergipe, na qual Marcos se vestiu de mulher pela segunda vez. Vestido às pressas e quase sem nenhum apetrecho feminino – apenas uma toalha na cabeça e um babydoll emprestado –, Marquinhos ouviu de um dos convidados do local o que veio a ser sua marca. “Do nada, alguém gritou ‘Markíbia!’. Na hora, fiquei com aquele nome na cabeça e acabei resolvendo adotá-lo para esse meu personagem”, narra a já conhecida Markíbia.
E, tempos depois, como é de costume que Drags tenham nome e sobrenome – ou dois nomes próprios –, o outro lado de Marcos passou de Markíbia Paulette, que veio do seu nome de nascimento Marcos Paulo, e se tornou Markíbia Mazort, sobrenome que pertence a um ex-relacionamento de Markíbia. Apesar dos leves constrangimentos, Markíbia Mazort se fixou no personagem e, hoje, tem o reconhecimento de uma das Drag Queens mais conhecidas do Estado por onde passa.

Drag Queens e Travestis

Marlla Suelen e Rayca Ryca (Foto: por Lohan Montes)
Apesar de muitas vezes serem confundidas com travestis, as Drag Queens estão associadas ao trabalho artístico, performático. “Travestis usam hormônios, fazem cirurgias plásticas e muitas vezes estão ligadas à prostituição”, explica a psicopedagoga com especialização em sexologia Nádia Dias. “A aparência caricata e glamorosa das Drag Queens é mostrada através de seus shows. Elas estão mais para divertir, animar; elas são as rainhas da noite”, completa.
Embora tenham começado a ganhar espaço na década de 70, com a transformista Laura Vison, é nos dias atuais que elas estão saindo dos ambientes exclusivamente GLBT (Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) e conquistando seu espaço em outros diversos, como a Drag Dimmy Kieer, que ganhou mais destaque após participação no reality show Big Brother Brasil. Hoje, as Drag Queens costumam trabalhar em diversos tipos de atividades de entretenimento em comemorações como casamentos, aniversários e formaturas. Além disso, também costumam trabalhar como hostess, recebendo e animando os convidados de bares e boates LGBT.
Segundo Markíbia, há cerca de cinco anos, quando ela mesma iniciou sua carreira em Sergipe, algumas drags já faziam parte do cenário do Estado. “Eu fiz a diferença porque investi bastante nisso, até em redes de relacionamento como o Orkut, por exemplo, fui ficando conhecida”, conta. Outra grande vantagem que Markíbia, propositalmente ou não, estabeleceu quando expôs suas fotos e seu personagem na internet, foi a de ter seu trabalho divulgado e sua personalidade e estilo à mostra para que todos vissem, sem necessariamente ir a algum evento no qual ela estivesse presente.
Conseqüentemente, isso a deixou visível para outras camadas da sociedade que não só o público LGBT. Hoje, apesar das dificuldades, a aceitação do público em geral com os personagens gays é bem maior do que anos atrás.

Pedras no sapato

O preconceito é a maior dificuldade. Preconceito por parte dos amigos, da família, da sociedade e o mais difícil: o preconceito contra si mesmo. “Quando comecei a me montar, fazia escondido. Escondido mesmo. Eu me vestia de mulher apenas pra me olhar no espelho. E tinha nojo do que via”, conta Kayla Stephany que hoje, com 26 anos, diz se aceitar completamente. “Foi difícil encarar todo mundo vestido de mulher, mas depois de passar dois anos me montando pra mim mesma, decidi sair como Kayla e foi a melhor coisa que fiz.”, explica, rindo e abrindo seu extravagante leque preto. 
 Sérgio, que prefere não ter seu sobrenome revelado, atende pelo nome de Ana Paula quando está vestido de mulher. Seu nome feminino convencional diante de toda a extravagância do meio revela uma personalidade serena e convicta. “As dificuldades são uma questão de opção”, admite Ana Paula com a sobriedade de quem tem que enfrentar obstáculos como qualquer outra pessoa, mas que nem por isso resolve baixar a cabeça.

Ana Paula (Foto: por Lohan Montes)
Quando não é Ana Paula, Sérgio trabalha com estética em um salão de beleza de Aracaju e, apesar de relativa independência, ainda prefere morar com os pais. Para manter relações cordiais com a família, ele evita exageros e revela nunca sair de casa vestido de mulher. “Meus pais são maduros. Hoje eles entendem, mas não levantam a bandeira”, admite. “A gente não se prostitui, somos todas independentes profissionalmente e, de vez em quando, resolvemos curtir a noite, numa boate, vestidas de mulher”, completa Ana Paula abarcando, também, suas colegas que espreitam a conversa de longe. 

Sorrisos que abrem portas

Markíbia Mazort, porém, resolveu investir ainda mais fundo na sua carreira como drag e se candidatou ao Miss Sergipe Gay ainda no início de sua carreira. “Eu não tinha nada para me vestir na época”, relembra a drag. “Fui de Miss Carira com muito gel e brilho”. Markíbia não ganhou o concurso na época, no entanto, por seu carisma e desenvoltura, levou o troféu de Miss Simpatia da competição. A partir daí, começou a ser chamada para participar de vários projetos sociais que incluíam a luta LGBT, inclusive do próprio governo do Estado, com o peso do nome Miss Markíbia. 


Miss Markíbia Mazort (Foto: Arquivo Pessoal)

É importante destacar que a simpatia de Markíbia é a grande chave tanto para ela quanto para as outras Drag Queens e é o que as aproxima de toda a sociedade. Tempo fechado é quase raro na vida dessas “meninas”. E é entre esses sorrisos e tropeços com salto alto que as vidas destas personagens prosseguem, aproximando-se cada vez mais de uma realidade justa: serem aceitas pura e simplesmente como são.

Confira um pedaço da entrevista concedida pela Drag Queen Markíbia Mazort ao Jornal Contexto Online:


Um comentário:

Nádia Dias disse...

Marvilhoso! foi feita justiça a favor desses profissionais da noite, essas gueixas modernas. Texto irrepreensível. Muito bom! Parabéns.

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