Cultura e verdadeira consciência negra

terça-feira, 22 de novembro de 2011


A consciência de ser negro tem, no Brasil, uma data oficial, 20 de novembro. Neste dia o preconceito é reprimido, a escravidão é lembrada e a desigualdade social é posta em pauta. A recordação da morte de Zumbi dos Palmares gera um dia de protesto, que, geralmente, não se estende para além da data. Poucos são os eventos e iniciativas que estão atentos para a necessidade de pensar a história e a riqueza da cultura afro-descendente, sem a qual não se constrói a consciência negra. 

João Emanuel Santos
Entre os eventos sergipanos que vão além da abordagem pontual está o Novembro Negro, realizado em parceria pelo Coletivo de Artistas Afro-descendentes, pela Faculdade São Luís de França e pelo Departamento de Educação de Aracaju (DEA). A iniciativa, que está completando 10 anos, promove mostras de filmes, apresentações artísticas e debates sobre a cultura afro-brasileira, sua importância e seus desafios. Para transmitir o conhecimento, o Novembro Negro oferece ainda mini-cursos e faz contato com escolas para que preparem e incluam seus alunos. Segundo o Técnico Pedagógico do DEA e membro do Coletivo de Artistas Afro-descendentes, João Emanuel Santos, o interesse do público geral, e também das escolas, pelo evento vem crescendo ao longo dos anos.

Wolney Nascimento










As diversas atrações organizadas pelo Novembro Negro trabalham na direção de pensar a identidade étnica afro-brasileira para além dos estereótipos. A mostra cinematográfica, apoiada pelo SESC (Serviço Social do Comércio), atinge com destaque o público estudantil e transmite para ele uma produção cinematográfica que reflete a condição do negro na sociedade. De acordo com o Arteducador e Técnico em Cinema do SESC, Wolney Nascimento, por ser uma ferramenta de produção e discussão coletiva, o cinema pode mostrar ao seu público sua história e sua realidade. As produções são trabalhadas para que, além de ver, os espectadores possam contextualizar e criar a partir do que é exposto.

 
Alunos da rede pública em bate-papo com Jorge Dissonância

Ainda que os repetidos destaques sobre a diferença salarial, educacional e a lembrança do episódio negativo da escravidão sejam importantes, eles não são capazes de fortalecer a consciência de ser negro, pois deixam de veicular questões fundamentais como a riqueza e beleza da arte, da música, do pensamento, da religião e da cultura afro-brasileira. Segundo a Lei 10.639 de 2003, à medida que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nas redes pública e privada, abre caminhos para uma educação não preconceituosa e construtora de identidade. A iniciativa legal, entretanto, acaba sendo barrada pelo despreparo dos educadores e pela falta de incentivo a utilização dos materiais existentes.

Jorge Dissonância e seu filho, Bluesvi Santos, tocando juntos
A verdadeira construção de uma consciência negra, para o cantor e poeta Jorge Dissonância, parte da descoberta da própria identidade: “Como é que eu posso fazer uma consciência negra se eu não conheço minha cultura?”. O seu processo de autoconhecimento foi construído ao longo de anos de pesquisa, leitura, viagens e investimentos que resultaram, entre outros, no livro Tropicor e no CD Africanê, que é utilizado como parte do material educacional na cidade de Belo Horizonte. “Esse produto tem uma grande importância para mim, como artista, porque eu sempre imaginei fazer uma arte que pudesse transformar. A partir do momento que você leva um produto artístico para a escola, ele passa a ter um poder maior de transformação social.”, indica o artista sergipano, radicado em Minas Gerais há 12 anos. 

Dissonância e o CD Africanê
Saindo da visão estereotipada, Jorge Dissonância cita a primeira canção do CD Africanê, Afro/Nasce/Mente, para tratar do ser negro como algo que vai além das características físicas. “Negro só pela cor da pele não resolve, porque o negro é uma questão de mente, de espírito. Não é só uma pele, uma trança dread. Não basta jogar capoeira, não basta dizer que é negão. Você tem que ter todo um comportamento cultural, conhecedor.”, indica Dissonância. A música citada, assim como as demais faixas que compõem o CD, trabalham unindo símbolos, linguagens, povos e personagens africanas. Além dessa riqueza, o material faz referência a mistura de etnias que compõem o Brasil.

A oficialização do 20 de novembro e sua inclusão no calendário escolar são, sem dúvida, justas vitórias do Movimento Negro. Ainda assim, uma data por si só não é capaz de promover mudanças sociais. A valorização do afro-brasileiro é antes disso uma questão de incentivo ao conhecimento de sua história, pensamentos, cultura e contribuições, tanto por quem se entende como afro-brasileiro, quanto por quem não se entende, até porque a mistura brasileira complica qualquer separação étnica. Que a possível transformação do dia da consciência em feriado, não seja, portanto, como foi a Lei Áurea - um projeto desvinculado de uma ação social ampla-, mas o reconhecimento da importância cultural e a rejeição do preconceito étnico.



Escute aqui abaixo a canção "Mussingas", composta  em homenagem a comunidade quilombola da Mussuca, Laranjeiras - SE.


Por Liliane Nascimento
Fotos: João Emanuel e Wolney Nascimento: Emily Lima/ Demais: Liliane Nascimento
Edição: Ana Carolina Souza

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