A salvação que há em se doar

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Brasil possui um dos maiores programas públicos de transplante de órgãos e tecidos do mundo. Apesar disso, o número de doadores não consegue suprir as demandas e as filas de espera custam a diminuir. Em Sergipe, a situação de quem precisa de uma doação não é diferente. Segundo dados da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos de Sergipe (CNCDO/SE), 96 pessoas esperam por córneas e 279 por pelo menos um rim. Esta situação se deve, em grande parte, à falta de esclarecimento entre a população, que deixa de se tornar doadora por medo ou falta de informação adequada.
Campanha de incentivo a doação. Foto: Nayara Arêdes

Além dos transplantes de córnea e rins, são realizados no estado transplantes de osso e coração, atualmente sem listas de espera. O quadro mais grave é o dos pacientes renais: neste ano foram feitos apenas quatro transplantes, um índice inexpressivo diante do registrado em 2007, por exemplo, que chegou à média de dois transplantes por mês – ainda assim um valor baixo. Em contrapartida, houve em 2011 um aumento significativo em relação aos transplantes de córnea, que passaram de 54 em 2007 para 112 neste ano.

Os modos para a doação

A doação de órgãos pode ser feita de duas formas: com doador vivo ou com doador cadáver. No primeiro tipo, pode ser retirado sangue, um dos rins, parte do pulmão, parte do fígado e também da medula óssea. Nesses casos os doadores podem ser os cônjuges ou parentes de até quarto grau – pais, filhos, irmãos, netos, avós, tios e primos. Caso contrário, é preciso autorização judicial, comunicado ao Ministério Público e parecer do Comitê de Ética da Central de Transplantes. Essas medidas são impostas para evitar o tráfico de órgãos.

Na segunda opção, após a parada cardíaca do doador, podem ser doados apenas tecidos – córneas, válvulas cardíacas, pele, vasos e tendões. O potencial doador de órgãos sólidos (coração, pulmão, pâncreas, fígado, intestino, rim) é o paciente que tem declarada a morte encefálica (ME). É neste ponto que se forma um dos maiores entraves no processo de doação.



A decisão da família

A morte encefálica corresponde à morte do indivíduo, já que a falência dos outros órgãos depois da ME é inevitável. Ainda que haja batimentos cardíacos, a pessoa com morte cerebral não pode respirar sem ajuda de aparelhos, e o coração baterá somente por mais algumas horas.

O que acontece é que culturalmente as pessoas  associam a vida ao coração, e as famílias dos pacientes em condições de morte encefálica nutrem esperanças pelo fato de ainda haver batimentos. Esse tipo de postura é responsável pela inviabilização da retirada dos órgãos e conseqüente aumento das filas de espera. O coordenador da Central de Transplantes de Sergipe, Benito Fernandez, explica que além da família, a própria equipe médica acaba inviabilizando a doação. Na esperança de salvar o paciente, a equipe muitas vezes deixa de realizar o diagnóstico de morte encefálica. “Para o profissional também não é fácil essa questão da morte. A nossa tendência é querer salvar as pessoas. A gente acaba querendo acreditar que ainda pode salvar, é inconsciente. Mas quando se tem o diagnóstico, já se sabe que não há mais o que fazer”, diz Benito.

Benito Fernandes conscientiza sobre as
doações. Foto: Iargo Souza

Caso os diagnósticos de ME fossem devidamente realizados, a situação das filas para transplante provavelmente seria outra. Para se ter uma idéia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, por ano, a cada milhão de pessoas, entre 60 e 80 terão morte encefálica. No entanto, em 2009 foram registrados no estado 36, em 2010 o número caiu para 25, e este ano, até então, foram apenas 11. Esses números revelam que, em Sergipe, os procedimentos de diagnóstico de ME não estão sendo devidamente realizados – o que reflete diretamente nas filas de espera.



O Transplante

Devido a essas dificuldades, a Central de Transplantes faz o monitoramento diário junto aos hospitais na busca de prováveis doadores. A equipe procura por aqueles pacientes em que há possibilidade de morte encefálica e solicita aos profissionais que estão dando assistência que a investiguem. Caso seja confirmada a ME, o segundo passo é a entrevista com a família. Havendo autorização dos parentes, dá-se início aos procedimentos para o transplante. São realizados exames para verificar se o órgão reúne as condições adequadas para a doação e, posteriormente, a sorologia. Feito isso, os dados entre o doador e os prováveis receptores são cruzados para saber qual possui o maior nível de compatibilidade para receber o órgão.

Vale lembrar que a doação de órgãos, mesmo no caso de doador cadáver, é feita em centro cirúrgico com equipe médica preparada, não havendo nenhum tipo de deformação no corpo do doador. Todo o procedimento é feito de maneira consentida, havendo uma relação de parceria entre médicos, doador e família.

Para um indivíduo tornar-se doador, basta conversar com a família. Benito ressalta que a comunicação nesses casos é fundamental: “a gente tem que desenvolver esse hábito de conversar na nossa casa sobre o que fazer com o nosso corpo, inclusive em relação à doação de órgãos. O ideal é que a pessoa decida pela doação, porque com a morte o corpo vai se decompor. Então, por que não ajudar outras pessoas?”.





Texto: IargoSouza
Fotos: Iargo Souza, Nayara Arêdes
Edição: Edson Costa

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 
Contexto Online | by TNB ©2010