Batida aligeirada, vocal rasgado, roupas surradas, piercing, tatuagem sugerem alguma coisa ao leitor? Muito além de uma produção estética e performática, o punk traduz toda uma concepção de vida e leitura da realidade para aqueles que se sentem tocados pelo gênero musical. A passos firmes, o movimento punk se iniciou na década de 1970 nos Estados Unidos, como resposta da juventude ao momento de crise do capital, à crise da ‘Era de Ouro’ ou crise do Petróleo, já que esta deixou nas ruas milhares de desempregados, sem condições de vida digna.
Essa juventude desempregada e sem perspectivas faz do punk sua “arma”. Ao atirar contra a ordem vigente, os costumes, os valores da classe dominante (elite) e a imagem do “bom-mocismo”, produz letras politizadas, assumindo a postura rebelde dos subúrbios e periferias. O estilo punk passou, no decorrer da história, por diversas transformações, impulsionando o surgimento de outras vertentes como o hardcore, pós-punk, indie, new wave, dentre outros.
É possível entender porque é tão incômodo para a maioria da sociedade aqueles meninos e meninas “mal vestidos”. Não incomodam apenas por causa de sua estética, na verdade ela é apenas o reflexo de sua indignação em relação aos valores de um sistema econômico e social que julgam opressor. Como, então, fazem essas bandas para sobreviverem e continuarem produzindo sua música? Afinal, os desafios são muitos para aqueles que pretendem seguir uma concepção contra-hegemônica musical, principalmente em Sergipe, não apenas por ser um Estado pequeno, mas por encontrar um cenário alternativo em grande desvantagem se comparado às produções da indústria cultural.
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Pedrão cantando em um dos shows da banda Rótulo |
Para Pedro Alves, vocalista da banda sergipana de hardcore ‘Rótulo’, só por se colocarem contrários a uma cultura dominante já é, por isso mesmo, o grande desafio. “Ao longo dos oito anos de banda, a gente sempre foi e é independente, não temos rabo preso com ninguém. Isso, por um lado, permite uma autonomia para fazer criticas ao que quisermos. Por outro, é claro que ninguém vai querer produzir a gente, fazer um grande show, ou nos colocar para aparecer na TV ou no rádio. Este é um risco para quem sustenta diariamente a cultura dominante”, declara Pedro ou Pedrão, como é conhecido pelos amigos.
O vocalista ainda acrescenta que diante dos empecilhos de se conseguir patrocínio, produção, entre outras coisas, o grupo enxerga que não é apenas uma banda, mas um posicionamento sobre essa realidade opressora, e é dai que surgem as dificuldades. “Então construímos nossos próprios shows, produzimos nossas mídias, nossos cds, nossa propaganda. Não somos uma banda que chega ao show, toca e vai embora. Nós somos, antes de tudo, um coletivo que divide tarefas braçais: carrega caixa, som, cerveja, recebe outras bandas, cozinha, tudo isso além de tocar. Esse é o preço que se paga por estar do outro lado da guerra, e o nosso lado é contra-hegemônico”, afirma.
Daniela à frente da banda The Renegades of Punk |
A banda sergipana de punk ‘The Renegades of punk’ afirma que existem dificuldades constantes, mas que tentam superar através da forma em que fazem suas ações e em conjunto com os envolvidos nesse mesmo cenário. Todavia, às vezes sentem-se isolados, não pelo simples fato de estarem em Sergipe, mas porque o estado é pequeno e proporcionalmente tem menos pessoas envolvidas com a ‘cena’ contracultural.
“Temos amigos em várias partes do Brasil e do mundo e às vezes estamos mais conectados espiritualmente e ideologicamente com eles do que com nossos amigos e bandas locais. Isso faz com que seja mais difícil haver uma regularidade de shows, divulgação de bandas e etc. Uma ‘cena’ se estabelece em meio à, principalmente, cooperação e conexão das pessoas que fazem parte da coisa. Quando até os objetivos mínimos são inconciliáveis, realmente o processo fica difícil”, afirma Daniela Rodrigues, vocalista da banda.
Por conta de todos esses fatores, para ambas as bandas, o público se torna restrito. Contudo, há aqueles que acompanham as produções e trabalhos. São pessoas que também estão em movimento: organizam shows, fazem parte de bandas, escrevem ‘fanzine’, vendem discos, fazem fotografia. Pessoas que contribuem com a cena alternativa das mais variadas formas.
Pela Cena Produções
“A Pela Cena é um coletivo formado por músicos e produtores sergipanos com a finalidade de fomentar a cultura sergipana, organizando shows de boa qualidade a preços acessíveis de forma a garantir a democratização dos meios e espaços culturais”. Com essas palavras, os oito membros do Pela Cena conceituaram o coletivo na rede social ‘Facebook’.
Desde 2009 o coletivo reúne bandas locais e nacionais, no intuito de propiciar o encontro destas que tenham o “feeling do hardcore”, como definiu Victor Monteiro Dantas, integrante do Pela Cena, mais conhecido como Victor ‘Balde’. De acordo com ele, o grupo carrega a ideologia do ‘faça você mesmo’, sem visar o lucro em cima dos shows que promovem. “Trazemos bandas que não exigem ficar em hotel, daqueles que são verdadeiros amigos, não apenas músicos”.
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Victor "Balde" (à esquerda) com amigos da banda The baggios |
Porém as dificuldades persistem, uma delas é quanto à divulgação. Mas, segundo Victor, os que fazem parte e ajudam o coletivo não desanimam e partem para o uso das ferramentas que lhes estão ao alcance: se utilizam das redes sociais, divulgação em jornais impressos, cartazes e panfletagem. Esta, de acordo com o integrante, é a forma mais eficaz de dialogar com o público seguidor do gênero musical. “Fazemos a panfletagem nas portas das escolas e temos um ótimo resultado”, conclui. Além dessa dificuldade, os contratempos em conseguir local e patrocínio para realizar os shows estão cada vez mais freqüentes. Por isso, as formas mais comuns de financiamento são utilizadas através da venda de ingressos, cerveja e comida. Mas Victor ‘Balde’ promete: “estamos querendo estudar a Lei Rouanet como forma de conseguir incentivo fiscal para financiar os shows que produzimos”. A Lei Rouanet é uma lei que institui políticas públicas para o incentivo à cultura, como benefícios fiscais para as empresas que financiarem algum projeto cultural.
O coletivo ainda mantem um nível de organização que ajuda a dinamizar as produções. Dos membros, dois estão voltados para a liberação burocrática e jurídica; um para buscar patrocínio; outro para fechar os shows com as bandas; outro deles faz registro (filmagem e fotografia) durante os shows, fora os que ficam voltados às atividades multifuncionais.
Apesar do caminho tortuoso, toda a dedicação vale à pena. Este ano, o Pela Cena Produções trouxe de Minas Gerais a banda Reffer, além de ter reunido bandas locais como Rótulo, The Renegades of Punk e Alex Kids no palco do espaço Gonzação, lozalizado no conjunto Augusto Franco. Cerca de 400 pessoas presenciaram o encontro daqueles que fazem do rock seu projeto de vida, e vice-versa.
O “novo” punk e hardcore
A partir da década de 1990, um novo formato de bandas “punk e hardcore” intensificou sua produção. São bandas que se preocupam mais com a estética (roupas e calçados de marca e penteados excêntricos) do que com a concepção originária engendrada pelas bandas de punk e hardcore.
Para a ‘The Renegades of punk’, o punk tem uma importância e significação muito forte, mas a vocalista Daniela diz reconhecer que após mais de 30 anos de existência ele é absorvido, mudado e re-significado por várias outras bandas e músicos. “Não recrimino esse tipo de banda, não digo também que sou fã. Na verdade, o que me incomoda mais hoje em dia não são essas bandas pasteurizadas, e sim uma nova forma de se falar em música e cena que se apodera do velho formato punk e o vende como uma novidade linda e a salvação dos aspirantes a artistas”, argumentou a vocalista.
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Banda Rótulo faz das suas letras um símbolo de resistência |
Já para a ‘Rótulo’, a análise deve surgir em outro tom. Segundo Pedrão, a sociedade atual vive um momento histórico marcado pela tecnologia, pelas falsas idéias e pela exacerbação intensa da forma e esvaziamento do conteúdo, fruto de um mundo moderno reconfigurado na sua face mais exploradora. “Grande parte das bandas tem na sua forma algo do punk e do hardcore, mas sua letra é o que há de mais vazio, porque a idéia hoje é você falar ou escrever sobre coisas que não dizem nada sobre a realidade em que vivemos. Porém, uma coisa é clara, aonde há opressão, há resistência. Apesar de termos essa situação, há bandas, pessoas, coletivos que nadam contra a maré, mostrando a realidade que muitas pessoas tentam esconder com um pano”, declarou Pedro Alves.
Reportagem: Talita Moraes
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