Punk, Hardocore e contra-hegemonia: os desafios enfrentados pelo rock sergipano

domingo, 11 de dezembro de 2011



Batida aligeirada, vocal rasgado, roupas surradas, piercing, tatuagem sugerem alguma coisa ao leitor? Muito além de uma produção estética e performática, o punk traduz toda uma concepção de vida e leitura da realidade para aqueles que se sentem tocados pelo gênero musical. A passos firmes, o movimento punk se iniciou na década de 1970 nos Estados Unidos, como resposta da juventude ao momento de crise do capital, à crise da ‘Era de Ouro’ ou crise do Petróleo, já que esta deixou nas ruas milhares de desempregados, sem condições de vida digna.

Essa juventude desempregada e sem perspectivas faz do punk sua “arma”. Ao atirar contra a ordem vigente, os costumes, os valores da classe dominante (elite) e a imagem do “bom-mocismo”, produz letras politizadas, assumindo a postura rebelde dos subúrbios e periferias. O estilo punk passou, no decorrer da história, por diversas transformações, impulsionando o surgimento de outras vertentes como o hardcore, pós-punk, indie, new wave, dentre outros.

É possível entender porque é tão incômodo para a maioria da sociedade aqueles meninos e meninas “mal vestidos”. Não incomodam apenas por causa de sua estética, na verdade ela é apenas o reflexo de sua indignação em relação aos valores de um sistema econômico e social que julgam opressor. Como, então, fazem essas bandas para sobreviverem e continuarem produzindo sua música? Afinal, os desafios são muitos para aqueles que pretendem seguir uma concepção contra-hegemônica musical, principalmente em Sergipe, não apenas por ser um Estado pequeno, mas por encontrar um cenário alternativo em grande desvantagem se comparado às produções da indústria cultural.
Pedrão cantando em um dos shows da banda Rótulo

Para Pedro Alves, vocalista da banda sergipana de hardcore ‘Rótulo’, só por se colocarem contrários a uma cultura dominante já é, por isso mesmo, o grande desafio. “Ao longo dos oito anos de banda, a gente sempre foi e é independente, não temos rabo preso com ninguém. Isso, por um lado, permite uma autonomia para fazer criticas ao que quisermos. Por outro, é claro que ninguém vai querer produzir a gente, fazer um grande show, ou nos colocar para aparecer na TV ou no rádio. Este é um risco para quem sustenta diariamente a cultura dominante”, declara Pedro ou Pedrão, como é conhecido pelos amigos.

O vocalista ainda acrescenta que diante dos empecilhos de se conseguir patrocínio, produção, entre outras coisas, o grupo enxerga que não é apenas uma banda, mas um posicionamento sobre essa realidade opressora, e é dai que surgem as dificuldades. “Então construímos nossos próprios shows, produzimos nossas mídias, nossos cds, nossa propaganda. Não somos uma banda que chega ao show, toca e vai embora. Nós somos, antes de tudo, um coletivo que divide tarefas braçais: carrega caixa, som, cerveja, recebe outras bandas, cozinha, tudo isso além de tocar. Esse é o preço que se paga por estar do outro lado da guerra, e o nosso lado é contra-hegemônico”, afirma.
Daniela à frente da banda
The Renegades of Punk

A banda sergipana de punk ‘The Renegades of punk’ afirma que existem dificuldades constantes, mas que tentam superar através da forma em que fazem suas ações e em conjunto com os envolvidos nesse mesmo cenário. Todavia, às vezes sentem-se isolados, não pelo simples fato de estarem em Sergipe, mas porque o estado é pequeno e proporcionalmente tem menos pessoas envolvidas com a ‘cena’ contracultural. 
Temos amigos em várias partes do Brasil e do mundo e às vezes estamos mais conectados espiritualmente e ideologicamente com eles do que com nossos amigos e bandas locais. Isso faz com que seja mais difícil haver uma regularidade de shows, divulgação de bandas e etc. Uma ‘cena’ se estabelece em meio à, principalmente, cooperação e conexão das pessoas que fazem parte da coisa. Quando até os objetivos mínimos são inconciliáveis, realmente o processo fica difícil”, afirma Daniela Rodrigues, vocalista da banda.


Por conta de todos esses fatores, para ambas as bandas, o público se torna restrito. Contudo, há aqueles que acompanham as produções e trabalhos.  São pessoas que também estão em movimento: organizam shows, fazem parte de bandas, escrevem ‘fanzine’, vendem discos, fazem fotografia. Pessoas que contribuem com a cena alternativa das mais variadas formas.


Pela Cena Produções

A Pela Cena é um coletivo formado por músicos e produtores sergipanos com a finalidade de fomentar a cultura sergipana, organizando shows de boa qualidade a preços acessíveis de forma a garantir a democratização dos meios e espaços culturais”. Com essas palavras, os oito membros do Pela Cena conceituaram o coletivo na rede social ‘Facebook’.

Desde 2009 o coletivo reúne bandas locais e nacionais, no intuito de propiciar o encontro destas que tenham o “feeling do hardcore”, como definiu Victor Monteiro Dantas, integrante do Pela Cena, mais conhecido como Victor ‘Balde’. De acordo com ele, o grupo carrega a ideologia do ‘faça você mesmo’, sem visar o lucro em cima dos shows que promovem. “Trazemos bandas que não exigem ficar em hotel, daqueles que são verdadeiros amigos, não apenas músicos”.
Victor "Balde" (à esquerda) com amigos da banda
The baggios
Porém as dificuldades persistem, uma delas é quanto à divulgação. Mas, segundo Victor, os que fazem parte e ajudam o coletivo não desanimam e partem para o uso das ferramentas que lhes estão ao alcance: se utilizam das redes sociais, divulgação em jornais impressos, cartazes e panfletagem. Esta, de acordo com o integrante, é a forma mais eficaz de dialogar com o público seguidor do gênero musical. “Fazemos a panfletagem nas portas das escolas e temos um ótimo resultado”, conclui. Além dessa dificuldade, os contratempos em conseguir local e patrocínio para realizar os shows estão cada vez mais freqüentes. Por isso, as formas mais comuns de financiamento são utilizadas através da venda de ingressos, cerveja e comida. Mas Victor ‘Balde’ promete: “estamos querendo estudar a Lei Rouanet como forma de conseguir incentivo fiscal para financiar os shows que produzimos”. A Lei Rouanet é uma lei que institui políticas públicas para o incentivo à cultura, como benefícios fiscais para as empresas que financiarem algum projeto cultural.

O coletivo ainda mantem um nível de organização que ajuda a dinamizar as produções. Dos membros, dois estão voltados para a liberação burocrática e jurídica; um para buscar patrocínio; outro para fechar os shows com as bandas; outro deles faz registro (filmagem e fotografia) durante os shows, fora os que ficam voltados às atividades multifuncionais.

Apesar do caminho tortuoso, toda a dedicação vale à pena. Este ano, o Pela Cena Produções trouxe de Minas Gerais a banda Reffer, além de ter reunido bandas locais como Rótulo, The Renegades of Punk e Alex Kids no palco do espaço Gonzação, lozalizado no conjunto Augusto Franco. Cerca de 400 pessoas presenciaram o encontro daqueles que fazem do rock seu projeto de vida, e vice-versa.


O “novo” punk e hardcore

A partir da década de 1990, um novo formato de bandas “punk e hardcore” intensificou sua produção. São bandas que se preocupam mais com a estética (roupas e calçados de marca e penteados excêntricos) do que com a concepção originária engendrada pelas bandas de punk e hardcore.

Para a ‘The Renegades of punk’, o punk tem uma importância e significação muito forte, mas a vocalista Daniela diz reconhecer que após mais de 30 anos de existência ele é absorvido, mudado e re-significado por várias outras bandas e músicos. “Não recrimino esse tipo de banda, não digo também que sou fã. Na verdade, o que me incomoda mais hoje em dia não são essas bandas pasteurizadas, e sim uma nova forma de se falar em música e cena que se apodera do velho formato punk e o vende como uma novidade linda e a salvação dos aspirantes a artistas”, argumentou a vocalista.



Banda Rótulo faz das suas letras um símbolo de resistência
Já para a ‘Rótulo’, a análise deve surgir em outro tom. Segundo Pedrão, a sociedade atual vive um momento histórico marcado pela tecnologia, pelas falsas idéias e pela exacerbação intensa da forma e esvaziamento do conteúdo, fruto de um mundo moderno reconfigurado na sua face mais exploradora. “Grande parte das bandas tem na sua forma algo do punk e do hardcore, mas sua letra é o que há de mais vazio, porque a idéia hoje é você falar ou escrever sobre coisas que não dizem nada sobre a realidade em que vivemos. Porém, uma coisa é clara, aonde há opressão, há resistência. Apesar de termos essa situação, há bandas, pessoas, coletivos que nadam contra a maré, mostrando a realidade que muitas pessoas tentam esconder com um pano”, declarou Pedro Alves.






Reportagem: Talita Moraes
Fotos: Talita Moraes, Priscila Reis e arquivo pessoal de Victor "Balde"
Box: Talita Moraes
Edição: Alanna Molina

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