Melhoria da Saúde Materna: um desafio para o Milênio

sábado, 21 de abril de 2012



A mortalidade materna é uma das violações mais graves dos Direitos Humanos das mulheres, por a saúde ser um dos direitos garantidos pela Constituição. O Estado de Sergipe, entre os anos de 1996 e 2009, teve um aumento de 60% nas taxas de mortalidade materna e 0% de alcance na meta. Esses dados refletem a ausência tanto das políticas sociais e econômicas no Estado, como de um real monitoramento das causas. 

Ao analisar os principais problemas mundiais no ano de 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu os chamados Oito Objetivos do Milênio – ODM. No Brasil, os ODM são denominados de Oito Jeitos de Mudar o Mundo. Esses objetivos devem ser atingidos por todos os países até o ano de 2015. A melhoria da saúde materna é um destes objetivos, sendo o quinto dos alvos estabelecidos entre as nações. 

 De acordo com o Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade materna no Brasil era de 140 para cada 100 mil nascidos vivos no ano de 1990; para 75, em 2007, quando foram instituídos os Objetivos do Milênio. A partir desses dados, os ODM pretendem reduzir em três quartos a taxa de óbitos maternos, chegando em 2015 a 35 óbitos. 

Os altos índices dessas mortes é um dos desafios a serem enfrentados pelos gestores. A mortalidade materna é a morte de uma mulher durante a gravidez ou até 42 dias após o término da gestação, independente da duração da gravidez. 

Razão da Mortalidade Materna (RMM)

Os dados analisados para obter a taxa da mortalidade materna são adquiridos através do cruzamento de informações entre os registros de mortes maternas e os números de nascidos vivos naquele ano. O Manual do Comitê de Mortalidade Materna afirma que no Brasil a causa do óbito materno é a mais sub-informada – o que significa que é o tipo de morte cujo motivo se omite com maior frequência. Podem ser decorrentes de complicações na gestação, aborto, parto ou puerpério (pós-parto).

André Baião


Segundo André Baião, coordenador do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna e Infantil, uma das coisas que dificulta o monitoramento do motivo de óbitos maternos é o aborto, que não é legalizado. “As mulheres abortam de uma forma insegura, clandestina. Fazem o procedimento de forma contaminada, sem medicação correta e às vezes chegam ao posto morrendo pós-aborto, ocultando a razão. O problema é que, como não é constitucional, o Ministério da Saúde não pode criar um programa que contemple o aborto.”

Outra razão é o sub-registro - omissão do óbito em cartório -, mais frequente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Tal situação acontece devido à dificuldade de acesso aos cartórios, à existência de cemitérios irregulares e à falta de informação da população quanto à importância da declaração de óbito como instrumento de cidadania. 

A falta de investigação da causa dos óbitos implica na carência de ações dos órgãos de saúde. Confira no gráfico abaixo os dados obtidos pela Vigilância Epidemiológica de Sergipe:

  (Mortes de mulheres em idade fértil (10 a 49 anos de idade) no ano de 2010)

Glória Lopes
A omissão e o desconhecimento das razões de morte refletem na qualidade dos serviços de saúde para mulher. De acordo com a presidente da Sociedade Sergipana de Pediatria, Glória Tereza Lopes, “a mortalidade materna em Sergipe está ligada principalmente à falta de assistência adequada no pré-natal, principalmente no interior; à falta de médicos em tempo integral nas equipes de saúde da família; aos profissionais não médicos que atendem sozinhos às gestantes; à falta de exames e medicamentos em tempo adequado e hábil; e à falta de maternidades funcionando no interior”.


Causas da Mortalidade Materna 

O Ministério da Saúde estabeleceu um ranking das causas mais recorrentes de óbito materno no Brasil, entre elas: diretas, as decorrentes da gestação e as indiretas, relacionadas a doenças preexistentes ou que se desenvolveram durante a gravidez. Em 21,2% dos casos, a morte é causada por eclampsia; em seguida as síndromes hemorrágicas, com 12,4%; e por último a cardiopatia complicada pela gestação, em 10,2% dos óbitos.    

Conforme a Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, a cesariana está entre essas causas de morte, decorrentes de complicações anestésicas, infecções e hemorragias. Este tipo de parto não só pode causar complicações no momento do nascimento, como também em gestações futuras. O bebê pode até mesmo ser levado a nascer antes do momento, o que traz consequências para o mesmo. 

Assistência de qualidade

A taxa de mortalidade materna máxima aceita pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS) é de 20 casos a cada 100 mil nascidos vivos. Em Aracaju, entre os anos de 1997 a 2010, o numero de óbitos foi de 107. Esses dados apresentam resultados preocupantes nas questões da saúde da feminina no Estado e serve de alerta para os gestores e a sociedade.

A resolução dessa questão depende da frequência e da qualidade do pré-natal e da assistência ao parto. Neste sentido, o Ministério da Saúde criou a Rede Cegonha como estratégia para redução das mortes. Operacionalizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a rede é fundamentada pelos princípios da humanização e assistência. No início, a implantação obedecerá a critérios epidemiológicos (altas taxas de mortalidade infantil e de Razão de Mortalidade Materna), e também da densidade populacional.

A Rede Cegonha se baseia em quatro eixos: pré-natal, parto e nascimento, puerpério e regulação. O projeto garante que mulheres, recém-nascidos e crianças tenham direito à ampliação do acesso; acolhimento e melhoria da qualidade do pré-natal; transporte tanto para o pré-natal, quanto para o parto; vinculação da gestante à unidade de referência para assistência ao parto - “Gestante não peregrina!” e “Vaga sempre para gestantes e bebês!”; realização de parto e nascimento seguros, através de boas práticas de atenção; acompanhante no parto, de livre escolha da gestante; atenção à saúde da criança de 0 a 24 meses com qualidade e resolutividade; acesso ao planejamento reprodutivo. 

Conforme André Baião, no Estado de Sergipe a Rede Cegonha já está na terceira fase de implantação e todos os municípios já aderiram ao programa. 

Fases de implantação da Rede Cegonha
1ª)DIAGNÓSTICO: com a apresentação da Rede Cegonha no território, apresentação e análise da matriz diagnóstica no Colegiado Interfederativo Bipartite (CIB), Homologação da Rede Cegonha na Região e instituição de um grupo condutor formado pela Secretaria de Estado da Saúde (SES), Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS) e apoio institucional do Ministério da Saúde.
2ª) DESENHO REGIONAL: com realização do diagnóstico situacional, pactuação do desenho e proposta de plano operativo, inclusive com o suporte de recursos necessários.
3ª) CONTRATUALIZAÇÃO MUNICIPAL: com o desenho da Rede Cegonha no Município, realização da contratualização dos pontos de atenção da Rede e instituição do Grupo Condutor Municipal.
4ª) QUALIFICAÇÃO: com cada um dos componentes da rede sendo qualificados através do cumprimento de requisitos mínimos.
5ª) CERTIFICAÇÃO: após a verificação da qualificação de todos os componentes, o Ministério da Saúde certificará a Rede Cegonha no território e realizará reavaliações anuais da certificação.

O Ministério da Saúde, através da Rede Cegonha, irá investir recursos no pré-natal, com uma meta de custeio de 100% dos exames; fornecimento de kits para as unidades básicas de saúde e para as gestantes; transporte com uma taxa de cinquenta reais para custear o vale transporte e vale táxi; centro de parto normal; casa da gestante e leitos.   

Sendo a mortalidade materna um problema possível de evitar, o empenho tanto da sociedade civil como dos governantes é um dos passos para melhorar a saúde feminina e reverter as estatísticas tão altas. A promoção da saúde reprodutiva da mulher, através da assistência adequada e de qualidade, reduzirá de forma significativa a estatística tão alta. 


 
Repórter: Luiza Cazumbá
Fotos: Arte de abertura- Marca da saúde materna (ODM)
           Glória Lopes e André Baião- Luiza Cazumbá
Edição: Ana Carolina Souza

Um comentário:

Anônimo disse...

Parbéns pela reportagem : Relevante, ampla, informativa. Agradeço pela oportunidade de ser a fonte do ponto de vista do estado.

aproveito para fazer somente uma contribuição: A sigla CIB , que ficou desdobrada como Conselho "Internacional de Bem Estar Social América Latina e Caribe(CIBs)" é na verdade o Colegiado Interfederativo Bipartite (CIB)ou seja, um colegiado que reune duas partes - Estado e Municípios - para decidir sobre as políticas estaduais de forma coletiva - um instrumento que torna o SUS mais democrático já que as decisões são tomadas entre gestores de vários entes. Como as siglas são homonimas, o "pecado" tá perdoado e não prejudicou a matéria em sua totalidade. Mais uma vez, parabéns.
Abraços,
André Baião.
Coordenador do Núcleo de Gestão de Linhas de Cuidado NUGELC - SES
Presidente do Grupo Condutor Estadual da Rede Cegonha - Sergipe.

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