Servidores da Segurança divergem quanto a qualidade da formação do policial

sexta-feira, 15 de junho de 2012

                Nas greves que marcaram o início de 2012, nos estados da Bahia, Ceará e Rio de Janeiro, uma das reivindicações apontava para as deficiências na formação dos policiais. Além desses movimentos, documentos oficiais do Ministério da Justiça também apontam tais deficiências como um dos desafios a serem vencidos na qualificação da segurança pública no país.  Muitos aspectos afetam a qualidade da formação, segundo vários atores que atuam na área, que vão desde os conteúdos ministrados nos cursos até as condições de trabalho dos policiais.
Sargento Jorge Vieira

A Matriz Curricular para formação dos Profissionais de Segurança Pública, de responsabilidade da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), indica que os cursos de formação devem gerar profissionais críticos e transformadores da realidade social, além de preparados para valorizar as diversidades sociais e dominar técnicas e procedimentos, entre outros, de uso da força.  Entretanto, de acordo com o presidente da Associação dos Militares do Estado de Sergipe(Amese), Sargento Jorge Vieira da Cruz, esses princípios não são cumpridos, pois o atual processo de formação é deficiente tanto no preparo para a prática, quanto para o contato com os cidadãos.
A “agressividade e a falta de tato na atuação dos policiais nas ruas”, um dos sinais mais visíveis do despreparo policial, é apontado pelo presidente da Amese, Sargento Vieira, como uma das consequências do princípio equivocado que orienta a formação dos PM’S. “A formação passa pela doutrina do exército brasileiro, o que é um equivoco, porque o exército toma conta da soberania do país, já nós, policiais militares, tomamos conta da proteção do cidadão. A filosofia do exército vê o invasor como um inimigo, nós entendemos que o cidadão pode se equivocar, mas deve ser tratado com cidadania”.

Infográfico ilustrativo
O despreparo do policial, ainda segundo o representante da Amese, está não só em questões amplas como a falta de conhecimentos específicos para lidar com as minorias e a falta de uma política de atualização, mas também em questões específicas como o falta de habilidade para lidar com os armamentos. “Tem policiais que só atiraram no seu curso de formação e na rua, em ocorrência. Eu mesmo aprendi a atirar na rua”, acrescenta. Além dos problemas de formação, ele chama atenção para as cargas horárias excessivas, para a falta de recursos e sua má utilização pelos gestores e para a falta de efetivo. “A gente está vivendo hoje uma segurança de faz de conta, que não atende às expectativas do cidadão”, diz o Sargento Vieira.
A respeito da carga horária excessivas o Presidente da Amese indica que, neste ano, policiais chegaram a trabalhar 36 horas seguidas. Diferente das jornadas tradicionais, os turnos de trabalho dos policiais são ampliados para suprir as limitações do efetivo. Em Sergipe, segundo dados da própria Polícia Militar, há um policial militar para cada 420 habitantes, enquanto a proporção recomendada pela ONU é de um policial para cada 250 habitantes.
Treinamento e profissionalização
De acordo com a Tenente-Coronel Araci Ferreira Fontes, responsável pela 3ª Seção do Estado Maior Geral (PM-3), setor que gerencia todo o processo de formação, o maior problema está relacionado ao tempo escasso de preparação. “Toda vez que se faz concurso,  se faz para tentar cobrir uma defasagem. O governo faz o concurso porque tem pressa do homem na rua”, e isso acaba por afetar o tempo total de formação. Ela pondera que o tempo reduzido não faz com que os policiais fiquem mal formados, mas faz com que a formação fique aquém do poderia ser alcançada em um curso mais longo. O edital e o posterior concurso para ingresso na polícia militar é realizado por ordem do governo do estado e não ocorre em de Sergipe há sete anos. 
Tenente-Coronel Araci Fontes
                A formação, para a Tenente-Coronel Araci, está balanceada entre a teoria e a prática, o que pode ser exemplificado em algumas matérias do curso de formação como a Introdução ao Estudo do Direito, ênfase em tiro – da qual fazem parte a montagem, a desmontagem de armas, a forma de municiá-las e a aula prática de tiro – Educação física e Abordagem, além de cursos de promotor de policiamento comunitário.  A responsável administrativa pela divisão de ensino do Centro de Formação e Aperfeiçoamentode Praças (CFAP), Tenente Amanda Freitas dos Santos, reconhece que há dificuldades de ordem material, mas quando há cursos de formação de soldados, tanto o comando da polícia, quanto o governo dão mais atenção ao centro de formação e costumam enviar os materiais requisitados.
          Desafios da policia feminina
Cabo Svetlana Barbosa da Silva
A presidente da Associação Integrada de Mulheres da Segurança Pública em Sergipe(Asimusep-SE), Cabo Svetlana Barbosa da Silva, chama atenção para a necessidade de uma formação que observe as especificidades da polícia feminina. “Deveria ter uma defesa pessoal específica em que você potencializasse sua força com técnica”, além de uma preparação técnica diferenciada, em alguns aspectos. A Cabo Barbosa destacou que a Associação também tem lutado para que a formação prepare a policial para lidar com os desafios de um ambiente em que os preconceitos de gênero ainda são intensos. “Você tem que provar dia-a-dia que é capaz. Você tem que desempenhar o mesmo papel com mais contundência porque a todo tempo você é provada”.
Segundo a Cabo Barbosa, as diferenças atuais no processo de formação de homens e mulheres estão mais ligadas aos testes de admissão, que consideram a necessidade de exigir alturas e exercícios distintos. Na grade curricular, entretanto, falta uma técnica que potencialize a estrutura física feminina e uma teoria que a ajude a lidar com a masculinização da profissão. As policiais femininas têm que conviver ainda com a falta de um equipamento de proteção individual adequado, de fardamentos e de uma estrutura física, como alojamentos e banheiros específicos, pois todos esses itens respeitam apenas as necessidades do policial masculino. A Tenente Amanda, da divisão de ensino do CFAP concorda com o fato de existirem preconceitos implícitos no comportamento masculino, mas para ela há um esforço não só para camuflar, mas também para superar esse tipo de posicionamento.
           Saúde mental e os aspectos envolvidos
Iolanda Aragão
De acordo com a coordenadora do Centro Integrado deApoio Psicossocial (CIAPs) da Secretaria de Segurança Pública, Iolanda Aragão, a falta de preparo do policial não afeta apenas à segurança da população, mas também a saúde física e mental do profissional. “Servidores a partir de 25 anos de trabalho na polícia estão extremamente adoecidos, extremamente desgastados, quando não física, mas psicologicamente, ou seja, uma fase em que poderia estar mais produtivo, ele já está declinando devido ao seu desgaste emocional”, disse Iolanda Aragão.
Para um planejamento mais sólido das ações a serem executadas, foi realizada em 2010 uma pesquisa que pretendia elaborar um diagnóstico da atual situação do servidor de segurança pública do estado de Sergipe. A pesquisa verificou que as situações estressantes estavam relacionados à ação cotidiana do policial. "O que mais estressa o policial é o seu despreparo para a sua ação, mostrando que ele deveria ser mais bem preparado”, informou a coordenadora do CIAPs que, nesse sentido, destaca a necessidade de incluir na formação, conhecimentos e técnicas que ajudem o policial a lidar diariamente com situações estressantes e com o permanente estado de vigília, necessários para a execução do trabalho.

A formação do policial está relacionada a aspectos estratégicos que envolvem a gestão da segurança a pública, como o adequado dimensionamento da força policial necessária ao perfil do estado, passando pela concepção do policial que a sociedade demanda, até o gerenciamento adequado da sua formação, como o tempo e os materiais necessários. Para isso, entretanto, “a prioridade dada ao capital humano das instituições de segurança pública no âmbito de suas políticas precisa ser traduzida em investimentos constantes em educação e valorização profissional”, conforme sinalizou, em 2009, a Conferência Nacional da Segurança Pública, em seu Texto Base.

Por: Liliane Nascimento
Edição: Egicyane Lisboa
Fotos: Arquivo pessoal e Asp 93/APMP
Infográfico: Liliane Nascimento




Nenhum comentário:

Postar um comentário

 
Contexto Online | by TNB ©2010