Torcidas organizadas: expressão cultural deturpada pela violência

sábado, 30 de junho de 2012




   No último domingo de maio, 6, o Estádio Batistão foi  palco do maior clássico do futebol sergipano. Sergipe e Confiança fizeram o jogo da semifinal do Campeonato, com arquibancadas parcialmente lotadas.    O clássico foi marcado pela festa dos torcedores, protagonizada pela animação das Torcidas Organizadas.                     No entanto, algumas horas após a partida, o jovem Wilasson Alef Santos, que vestia o uniforme do Sergipe, foi encontrado morto. A suspeita é que o crime tenha relação com briga entre torcidas. Acontecimentos como esses têm sido recorrentes em todo Brasil provocando a discussão sobre o possível fim das organizadas visando diminuir a violência nos estádios e em seu entorno.

   Em Sergipe, as primeiras Torcidas Organizadas sugiram na década de 90 com a Torcida Trovão Azul (TTA), formada por torcedores do Confiança, e a Gigante Rubro formada por Torcedores do Sergipe. Logo após surgiu a Torcida Jovem, (TJ), resultante de um conflito interno da TTA, e posteriormente a Torcida Esquadrão Colorado, constituída por outro grupo de torcedores do Sergipe. Com a criação dessas torcidas, os estádios passaram a ser palco de grandes festas nos jogos como também testemunhas da violência.

   
   A torcida organizada, quando foi criada, era apenas uma atividade de confraternização, descontração. A única intenção era apoiar o time. Nos dias atuais, esse objetivo ainda é o mesmo, entretanto algumas práticas se infiltraram deturpando o real sentido do que deve ser a torcida organizada.
Em Sergipe, tornou-se comum, por exemplo, tomar a camisa da torcida adversária como uma espécie de troféu. As músicas, que antes eram uma demonstração de amor ao clube, passaram a atingir os torcedores rivais. Tais modificações têm estimulado o crescimento da violência.

   Além dessas ações, as torcidas organizadas passaram a utilizar a internet para marcar brigas, tornando a situação quase que incontrolável para as autoridades. “Realmente tem sido difícil fazer o controle”, reconhece o Capitão da Polícia Militar, Deny Ricardo. As torcidas marcam para se enfrentar pelas redes sociais e para tentar controlar esses atos os policiais têm que se inserir nas redes com perfis falsos. “O problema é que geralmente somos descobertos e excluídos, por isso é difícil fazer o controle”, lamenta-se o Capitão Ricardo.
Torcedores sendo revistados na entrada
   A violência entre organizadas tem ido além dos estádios. Segundo o Promotor de Justiça, que já fez vários estudos sobre torcidas organizadas em Sergipe, Deijaniro Jonas Filho, já houve no Estado em torno de 15 vítimas na guerra entre torcidas. Ele relata ocorrências em vários Bairros da capital, como Augusto Franco, Cidade Nova, Bairro Industrial e Japãozinho.  

A violência gerada pela atuação das torcidas organizadas provoca divergências também entre os torcedores no que diz respeito as medidas para coibir ou diminuir as agressões. Para Pedro Henrique, torcedor do Confiança, “a violência entre as organizadas tem tomado proporção muito grande, eu vejo o fim delas como uma solução, assim o futebol vai voltar a ser apenas a festa bonita que tem que ser, sem violência”.


   Diego Santana, que torce pelo Sergipe, não concorda. “Sou a favor que continue existindo as organizadas, entretanto devem existir várias mudanças”, defende. “Uma delas é o cadastramento dos torcedores, que só entrariam nos estádios com a carteirinha, o que facilitaria a identificação dos vândalos”. O problema, aponta Santana, “não está na torcida em si, mas nas pessoas que se infiltram nas torcidas e não vão apenas com o intuito de torcer”.
Vice-presidente da torcida do Sergipe
 
 O vice-presidente da Torcida Organizada Esquadrão Colorado também atribuí o problema da violência a pessoas que se infiltram nas torcidas para criar conflitos e atribui-los a ação das organizadas. “A torcida organizada não é violenta, o problema está em pessoas que se infiltram nela, mas isso acontece em todo lugar, como tem juiz ruim, policial ruim, também temos maus torcedores dentro das torcidas”, diz Alberto Fernandes.

   Visando efetuar reformulações que pudessem evitar e coibir a violência nas praças esportivas, algumas medidas já foram tomadas no Estado. Ainda no ano de 2006, o Ministério Público do Estado de Sergipe (MPE), através do promotor Deijaniro Jonas Filho, promoveu uma reunião com a presença da Secretaria de Segurança Pública do Estado, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Secretaria de Esporte e Lazer e dirigentes de clubes de futebol. No encontro, foram firmadas algumas medidas, uma delas foi justamente o cadastramento de torcedores.

   A realização do cadastramento é vista por muitos como uma possível solução para violência, mas não foi interpretada da mesma forma pelo Presidente da Frente Nacional dos Torcedores, João Hermínio. “O cadastramento é uma palhaçada. Não serve para nada. Primeiro, o cadastramento é inconstitucional. Eu não posso, por estar usando uma farda de torcida organizada, ser obrigado a me cadastrar na polícia, enquanto o outro torcedor comum não é. É extremamente discriminatório o cadastramento. É a consagração da presunção de culpabilidade, quando no Brasil deve vigorar, segundo a Constituição Federal, a presunção de inocência”.

   João Hermínio ressalta ainda que a violência entre torcidas organizadas deve ser tratada como algo demasiadamente complexo. “A violência no futebol é um problema social de complexidade imensa, e deve ser tratado como tal sem respostas imediatistas. É preciso ter um trabalho de prevenção aos conflitos, um programa intenso de conscientização nas torcidas organizadas. Falo de um programa forte, não de meras campanhas, mas, sim um programa que trabalhe com a juventude frequentadora das organizadas”.
Outra medida tomada em Sergipe para conter a violência foi a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que proíbe as organizadas Torcida Esquadrão Colorado e Torcida Trovão Azul de frequentarem os estádios Batistão e Presidente Médici com uniforme que os identifique. A medida foi resultado dos muitos conflitos existentes entre essas duas torcidas que são as maiores do Estado.

    A ação também foi realizada pelo Promotor de Justiça Deijaniro Jonas Filho. Ele diz ter tomado tal decisão após fazer um diagnóstico da atuação dessas torcidas. ”Analisando essas torcidas, foi possível notar algo interessante, pessoas que não se conheciam se tornavam inimigas apenas pelo fato de estarem vestidos com camisas de torcidas rivais. Assim, sem a utilização do fardamento se tornou mais difícil à identificação do outro como oponente”, explica o promotor.

   Ele ressalta ainda que essa medida não proíbe ninguém de entrar nos estádios.  A ação foi avaliada como benéfica pelo vice-presidente da torcida organizada Esquadrão Colorado Alberto Fernandes. ”Depois que foi proibido entrar com camisas da torcida, melhorou muito as brigas entre a gente e a torcida rival nos dias de jogo”. Um levantamento realizado pela Polícia Militar mostrou que houve uma redução de 80% nos números de violência entre as torcidas após essa medida.

   Além do fardamento, a utilização de faixas, bandeiras e outros materiais que possam ocasionar o ferimento dos presentes no estádio também foram vetados. Tais restrições não agradaram o presidente da Frente Nacional dos Torcedores. “Tem sido comum membros de organizadas não utilizarem suas fardas tradicionais e partirem para o conflito como torcedores comuns. Não é a faixa, a bandeira, o bandeirão, que faz toda a festa ter briga. Quem briga é quem, infelizmente, está para brigar”.

   Tantos conflitos entre torcidas organizadas acabaram tornando-as um sinônimo de violência. Mas, para o presidente da Frente Nacional dos Torcedores, “torcida é a institucionalização da expressão cultural torcedora. É alegria de quem já pisou numa arquibancada, é a sensação maravilhosa de ver um bandeirão subindo. É a adrenalina de cantar com força o jogo inteiro, é o frio na barriga antes dos clássicos e decisões. Torcida é alegria, é festa, é vida. Torcer não é violência”. 






Por: Emily Lima
Edição: Lenaldo Severiano e Thaís Guedes
Imagens e Vídeos: Lenaldo Severiano e Thaís Guedes

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